A Maldição dos Botocudos

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A Maldição dos Botocudos

Por Luiz Leite

Onde estão os Botocudos?  Desapareceram? A princípio parece que sim. Para quem não sabe,  foram um dos grupos nativos mais aguerridos contra os quais nossos tataravós tiveram que medir forças.  O alcunha dado pelos portugueses, Botocudos, referia-se aos “botoques”, peças de madeira que colocavam nas orelhas e lábios, modo peculiar de enfeitar-se destes temíveis guerreiros.

Hoje, extintos eles (praticamente), cá estamos nós, tranquilamente assentados em suas terras, tocando nossa vidinha pacata e inocente. Dos mais de cem grupos indígenas que habitavam o estado de Minas Gerais, apenas uns poucos remanescentes de oito desses grupos sobrevivem. O invasor,  com sua supremacia incomparável acabaria vencendo, tanto pelo expediente do arcabuz e da espada, quanto pela esperta malandragem de homens como Teófilo Otoni que com sua reconhecida trucagem diplomática, passou a perna nos donos dessas paragens, amealhando extensões imensas de terras indígenas para si e sua parentela.

A vitória dos grileiros europeus todavia não viria de maneira fácil. Os terríveis Botocudos defenderam suas terras e cultura como puderam, enquanto puderam, de todas as formas. Guerrearam ferozmente contra aqueles que para eles representavam uma ameaça real de extinção, até que D. João VI, ordenou uma investida tal contra os já famosos e temidos guerreiros, que determinou o seu fim, como informa a carta enviada às autoridades militares encarregadas da limpeza étnica na região.

“(…) deveis considerar como principiada contra estes índios antropófagos uma guerra ofensiva que continuareis sempre em todos os anos nas estações secas e que não terá fim, senão quando tiverdes a felicidade de vos senhorear de suas habitações e de os capacitar da superioridade das minhas reais armas de maneira tal que movidos do justo terror das mesmas, peçam a paz e sujeitando-se ao doce jugo das Leis e prometendo viver em sociedade, possam vir a ser vassalos úteis, como já o são as imensas variedades de índios que nestes meus vastos Estados do Brasil se acham aldeados e gozam da felicidade que é conseqüência necessária do estado social (…) Que sejam considerados como prisioneiros de guerra todos os índios Botocudos que se tomarem com as armas na mão em qualquer ataque; e que sejam entregues para o serviço do respectivo Comandante por dez anos, e todo o mais tempo em que durar sua ferocidade, podendo ele empregá-los em seu serviço particular durante esse tempo e conservá-los com a devida segurança, mesmo em ferros, enquanto não derem provas do abandono de sua atrocidade e antropofagia. (…) e me dará conta pela Secretaria de Estado de Guerra e Negócios Estrangeiros, de tudo o que tiver acontecido e for concernente a este objeto, para que se consiga a redução e civilização dos índios Botocudos, se possível for, e a das outras raças de índios que muito vos recomendo”;

Exterminamos os Botocudos e muitos outros grupos. Prevalecemos. É a marcha implacável da história. Parece, entretanto, que os Botocudos estão retornando. Nossos jovens, como que “possuídos”, estão adotando os conceitos Botocudos de beleza, deformando lábios, orelhas e narizes, com “botoques” modernos. Aquilo que para os nativos era pura estética dentro do seu contexto cultural, para os nossos jovens guerreiros urbanos, soa mais como uma bizarra manifestação de auto-imagem avariada. Parece-me, quando os vejo pelas ruas das capitais desse imenso Pindorama, que estamos sendo visitados pela maldição dos Botocudos, que lançada sobre os antepassados, atinge agora, tardiamente, nossos curumins. Deus nos livre!